O caminho | ||||
Cores do Atlântico é um CD de uma jovem compositora brasileira que adaptou poemas líricos de mulheres que viveram durante um período da Idade Média na parte da Europa onde hoje estão Galiza - uma região autônoma da Espanha - e Norte de Portugal, ambas no Noroeste da Península Ibérica e que compartilham uma mesma cultura. No ano de 2005 eu acabava de chegar a São Paulo de mala e cuia e muito o que inventar. Tive então a ideia de fazer um disco de música portuguesa o qual poderia me levar àquele país, imaginava. Numa noite paulistana de quase carnaval estávamos na casa de um amigo e eu comentava sobre minha intenção de gravar esse álbum luso-brasileiro. O fado de Amália me encantava e era o que melhor eu conhecia de Portugal; pouco sabia da riqueza musical e dos artistas portugueses que não chegam ao Brasil pela grande mídia e pelas grandes gravadoras. Foi nessa noite que Andrea Lago me sugeriu fazer um disco com aquelas tais Cantigas de Amigo Medievais as quais, segundo Ria Lemaire, eram criadas por mulheres daquele pedacinho da Europa onde “elas cantam fininho” – clara referência às pandereteiras a quem eu encontraria mais tarde. Inocente, fiquei entusiasmada com a ideia sem me dar conta da profundidade do assunto que me rondava. Mas a possibilidade de tocar a questão da voz das mulheres na música e na literatura, desde a Idade Média, atiçou-me. Em setembro de 2006, para conhecer pessoas da Galiza - galegas de verdade, participei de um congresso de estudos galegos em Salvador. Logo em seguida fui à França e, na Universidade de Poitiers, onde trabalha a Professora Ria Lemaire, tive acesso à sua tese. No mesmo ano visitei a Galiza, na Espanha e Portugal. De modo que viajei para esses lugares de 2006 a 2008 seguidamente. A minha ideia, ainda verde em 2006, obteve eco na Galiza. Conhecer a Profª. Camiño Noia Campos, Gonzalo Navaza e Uxía foi como encontrar a claridade que me faltava ao pensamento. Compreender um pouco da história, bem como a atual atmosfera cultural do povo galego foi fundamental, pois, como atestam os textos selecionados, vêm daquela geografia as tais cantigas (‘Ondas do mar de Vigo...’), e os supostos autores, em sua maioria, também eram galegos. Adorei a Galiza, senti-me em casa. A mim parecia o meu Nordeste brasileiro ensolarado, festeiro, alegre e acolhedor. Talvez um pouco bucólica (boa por isso!) como nós, porém viva, vibrante! Iniciei, com contribuições valiosíssimas de Ria Lemaire e Gonzalo Navaza, o processo de adaptação dos textos e de criação das melodias. Em 2007, através de Uxía, conheci Santi Veloso, de Ponte...nas Ondas!, que se interessou pelo meu projeto Cores do Atlântico já que este trata de uma parte importante do Patrimônio Imaterial Galego-português que nos é comum. Firmamos uma importante parceria no sentido de materializar as impressões que me motivaram durante esses quatro anos de vida. Desde o inicio tive a colaboração de Jorge Ribbas que assina a direção musical do CD. E mais ou menos desse modo eu soube que galego é um povo detentor de uma cultura própria e muito parecida com a minha. Antes pensava que galega era toda pessoa loiri-nha, havia aprendido assim. E foi assim também que “descobri” Portugal lindo e rico em música, longe da compreensão por vezes estreita que se tem, no Brasil, desse país tão próximo. Mergulhei o mais fundo que pude em uma antiga tradição de mulheres que inventavam e inventam canções para exprimir a vida e seus motivos. Finalmente, sei que este CD agrega um tanto de valores e estes me animaram no sentido de fazê-lo. Entretanto, um desejo meu, em particular, é que ele soe bem aos ouvidos de quem se propuser a ouvi-lo como um trabalho musical, resultado de um processo criativo envolvente, apaixonante. Socorro Lira. Brejo do Cruz, Paraíba, Brasil. Outubro de 2009. |